23.10.05

 

O Referendo e o Homem Cordial


And my vote goes to...

No caderno especial sobre o referendo, publicado na Folha de S.Paulo de hoje, a jornalista Laura Capriglione afirma que o Nordeste seria o último refúgio do homem cordial mencionado por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil (1936). Segundo ela, para o historiador, "o traço típico do brasileiro" estaria traduzido no ser "generoso e hospitaleiro no trato" (vide abaixo). Só que, como a grande maioria das pessoas, ela se vale apenas de parte do que disse o historiador, esquecendo-se de ler a importante ressalva feita por ele, na nota de rodapé à expressão "homem cordial" (os grifos a seguir são meus):
"A expressão é do escritor Ribeiro Couto, em carta dirigida a Alfonso Reyes e por este inserida em sua publicação Monterey. Não pareceria necessário reiterar o que já está implícito no texto, isto é, que a palavra "cordial" há de ser tomada, neste caso, em seu sentido exato e estritamente etimológico, se não tivesse sido contrariamente interpretada em obra recente de autoria do sr. Cassiano Ricardo onde se fala no homem cordial dos aperitivos e das "cordiais saudações", "que são fechos de cartas tanto amáveis como agressivas", e se antepõe à cordialidade assim entendida o "capital sentimento" dos brasileiros, que será a bondade e até mesmo certa "técnica da bondade", "uma bondade mais envolvente, mais política, mais assimiladora".

"Feito este esclarecimento e para melhor frisar a diferença, em verdade fundamental, entre as idéias sustentadas na referida obra e as sugestões que propõe o presente trabalho, cabe dizer que, pela expressão "cordialidade", se eliminam aqui, deliberadamente, os juízos éticos e as intenções apologéticas a que parece inclinar-se o sr. Cassiano Ricardo, quando prefere falar em "bondade" ou em "homem bom". Cumpre ainda acrescentar que essa cordialidade, estranha, por um lado, a todo formalismo e convencionalismo social, não abrange, por outro, apenas e obrigatoriamente, sentimentos positivos e de concórdia. A inimizade bem pode ser tão cordial como a amizade, nisto que uma e outra nascem do coração, procedem, assim, da esfera do íntimo, do familiar, do privado. "

Fonte: Holanda, S. B., Raízes do Brasil, Companhia das Letras, São Paulo, 1998, p. 204-5

Em outras palavras, o homem cordial não apresenta esse viés exclusivamente pacífico, que nove entre dez textos, como é o caso da matéria da Folha, deixam transparecer. Assim, segundo SBH, o que caracteriza o homo brasiliensis é a sua irracionalidade. Ele é emocional, passional e sangüíneo, com tudo o que isso tem de positivo e de negativo.

Segue o trecho da Folha:

O duelo do "sim" e do "não" na terra do homem cordial
LAURA CAPRIGLIONE

ENVIADA ESPECIAL A MINADOR DO NEGRÃO (AL)

Da pesquisa Datafolha divulgada ontem, emerge uma única macrorregião em que a maioria da população é favorável à proibição do comércio de armas e munição -o Nordeste, onde 53% dos entrevistados disseram apoiar o "sim" (voto 2).

Como se fosse o último refúgio do homem cordial de que falava o historiador Sérgio Buarque de Hollanda, para definir o traço típico do brasileiro generoso e hospitaleiro no trato, o Nordeste contrasta com os Estados do Sul, onde apenas 19% dos entrevistados manifestaram intenção de votar no "sim", contra 81% no "não".

Em busca desse tal homem cordial, a reportagem da Folha foi até o município de Minador do Negrão, sertão alagoano, 169 quilômetros de Maceió, 6 mil almas, 3.500 eleitores.
Fonte: Folha de S.Paulo, domingo, 23 de outubro de 2005, Caderno Especial - Referendo, p. 6.

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