9.7.05

 

I beg to differ, Uncle Filthy*


E se for direitista? Atirar pelas costas?

Se entendi direito o seu texto, você coloca todos os liberais e esquerdistas no mesmo balaio de gatos, compartilhando a mesma opinião, isto é, a de justificar o uso do terrorismo por parte da Al Qaeda et caterva como arma contra a presença dos EUA et caterva no Afeganistão, Iraque e Palestina. Se o bem entendi, o terrorista não seria cuzão em relação aos Tariq Alis da vida porque agiria diretamente e poria a mão na banana de dinamite, a despeito de não colocar a cara para bater. É isso? Se for, discordo. Terrorista, independentemente do ideal que defenda, é cuzão de marca maior, sim, porque não dá às vítimas a menor chance de defesa. E qualquer um que faça isso só tem um nome: cuzão. Além disso, diferentemente dos terroristas, Tariq Ali coloca a cara para bater, ao dizer o que pensa e assinar o que escreve. (Isto não quer dizer que concorde com o que ele diz.)

Acho que você misturou alhos com bugalhos ao juntar covardia física com covardia moral e ao dar a entender que ambos os tipos de covardia são típicos de liberais e esquerdistas.

Uma coisa é a covardia física, pura e simples. Quanto a esta, há vários motivos que a podem justificar (e ser de esquerda ou liberal, ter unha encravada ou torcer para o Timão, definitivamente, não faz a menor diferença). O principal deles, Freud explica (não foi ele que disse que "anatomia é destino"?): falta de equipamento natural. Mais que covardia, trata-se, pura e simplesmente, de instinto de sobrevivência. Covardia física não faz distinção ideológica. E, cá entre nós, quem é mais covarde, um badboi que tenta bater em um fracóide, ou um fracóide que sai correndo, já que não tem a menor chance de se defender do valentão? De qualquer modo, dizer que liberais e esquerdistas são cuzões porque teoricamente estariam mais propensos a serem vítimas de valentões e que tais não faz o menor sentido.

Outra coisa, totalmente diferente, é ser contra ou a favor do uso da violência estatal. O que isso tem a ver com covardia ou ser de esquerda ou liberal? O Estado tem o direito de exercer a violência em sua defesa, desde que isso seja um ato legítimo. O busílis (eita!) é definir o que confere legitimidade ao Estado e, conseqüentemente, a seus atos. Isso depende do tipo de sociedade em que se vive: nas democracias, a legitimidade é conferida pela vontade da maioria. Nas ditaduras, ela é conferida pela vontade de quem tem o maior tacape. Aí, é preciso saber se é possível conferir legitimidade a ditaduras. Não acredito nisso nem creio que você acredite. Porém, nesse caso, para serem coerentes, os Estados democráticos deveriam desconsiderar como igual ou parceiro todo e qualquer Estado cujo governo não fosse democrático. Começa por aí. Caso contrário, cai-se na hipocrisia (a.k.a. real politik) pura e simples, como foi a defesa feita pela Economist ao Pervez Musharraf. Dois pesos e duas medidas? Tudo bem, o cara é um ditador, mas vamos lá apoiá-lo porque ele pode nos ajudar na guerra ao terror, cujo objetivo, entre outras coisas, é disseminar valores democráticos, para acabar com o terrorismo, que é fomentado em sociedades não-democráticas... Um raciocínio tão coerente e válido quanto uma nota de sete reais, a não ser que se acredite em meia-gravidez.

E, ainda assim, em sociedades democráticas, é possível que o Estado faça (ou ameace fazer) uso ilegítimo da força e, nestes casos, ser contra o uso da força pelo Estado não implica covardia moral. Ora, se o uso da força é justificado por uma razão que considero ilegítima, por que haveria de apoiá-lo? Ou, então, se considero que o uso da força não é o meio mais adequado para lidar com determinada situação, por que razão deveria concordar com isso? Ser contra o uso da força pelo Estado me torna um covarde moral? Creio que não.

Há causas justas no mundo? Há. Mas quem determina o que é justo e o que não é? Você? Eu? O Enéas? É complicado.

Definitivamente, Al Qaeda et caterva deveriam ser varridas do planeta, junto com neonazistas e fascistóides. O problema é: qual é a melhor maneira de acabar com o terrorismo? Eliminar fisicamente os terroristas? É uma solução, mas não é uma rima e tampouco é viável. A saída para isso, acredito, está na reflexão sobre o que está por trás desses atos aparentemente insanos e irracionais. A Al Qaeda lança mão de uma série de desculpas, para aliciar gente maluca ou desesperada o suficiente a ponto de estar disposta a matar e a morrer. Quanto aos malucos, não há muito o que se possa fazer. Já em relação aos desesperados, é preciso ao menos tentar entender suas motivações. O que os leva a fazer o que fazem? O terrorismo é e sempre será deplorável, mas dificilmente é gratuito.

Concordo totalmente com você, quando diz que não se pode apaziguar psicopatas, mas discordo quando você coloca todos os liberais e esquerdistas (aliás, seria preciso definir o que é liberal e esquerdista) no mesmo saco de farinha, tentando criar uma relação de causa-efeito inexistente: é liberal e esquerdista, então, é covarde (física e moralmente) e defende o terrorismo. Isso equivale a chamar todos os conservadores e direitistas de reacionários e defensores do terrorismo de estado. E sabemos que nenhuma das duas afirmações é verdadeira. Temos um amigo em comum que se definiria como liberal e esquerdista. No entanto, ele deplora qualquer forma de terrorismo, como faz toda e qualquer pessoa decente (independentemente de convicção política), mas não é contra o uso da força (ainda que de modo ilegítimo). É um dos poucos esquerdistas que conheço que defendeu a derrubada incondicional de Satão Hussein.

Não entendi o seu último parágrafo: então, vale a pena virar terrorista e matar civis? Para os fanáticos da Al Qaeda, a causa deles é justa e é motivo pelo qual recorrer à violência é não só digno como a última saída. Assim, em lugar de assistir às atrocidades na TV e escrever coluninhas de "bem feito, Blair", como, segundo você afirma, faz o Tariq Ali, é prefirível partir para a ação? Outra coisa, quem é essa gente disposta a lutar para defender Tariq Ali et caterva? Os fanáticos da Al Qaeda? Finalmente, porque são cuzões, pessoas como Tariq Ali não teriam o direito de apontar as imperfeições das sociedades em que vivem (se tais imperfeições existem)?

Abraços calorosos,
Ninguém

* Este texto é um comentário sobre um texto de Uncle Filthy: For what can a poor boy do?

Comments:
Não, Japs, o que eu quis dizer é que os terroristas podem ser calhordas, mas não são cuzões -cuzão, pela definição que eu propunha ali, é o cara que prefere fugir a brigar no matter what. E Ali é exatamente isso: um sujeito que na verdade aplaude o terrorismo porque o terrorismo "confirma" as opiniões dele, derrotadas vezes sem conta no Parlamento e nas urnas. Mas não tem coragem nem de admitir que não é possível negociar com terroristas nem de assumir abertamente que admira os terroristas porque os terroristas confirmam sua visão de mundo cuzona. É isso. ;-)
Abraços fraternais,
 
Postar um comentário

<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?