13.5.05

 

Efeméride


Para a esmagadora maioria, uma viagem sem volta.

Não dá para deixar passar em branco a data. Então, cito aqui um livro que me ajudou a entender um pouco o que foi a escravidão e suas implicações para os infelizes dos escravos: Ser Escravo no Brasil, de Kátia Mattoso. Essa é, provavelmente, a obra que melhor conseguiu descrever todo o processo de degradação física e cultural por que passava o indivíduo escravizado. Ela abarca vários momentos da vida do "elemento servil" (eufemismo usado por nossos conterrâneos no século XIX, para descrever os escravos), de sua liberdade inicial, em terras africanas, até a compra - sem garantia de entrega - da liberdade aqui no Brasil, incluindo toda a desestruturação familiar, desenraizamento cultural e as milhares de formas de exploração da mão de obra negra. O regime escravocrata era muito, mas muito filho da puta. As famosas cartas de alforria, que, segundo aprendeu na escola o pessoal da minha geração, supostamente eram dadas aos escravos como reconhecimento por serviços prestados, eram, na verdade, vendidas a eles. Mais que isso. Além de serem vendidos, muitas vezes, esses contratos permitiam que o senhor se arrependesse. Se, por exemplo, o Preto João, depois de comprar sua alforria, passasse a se comportar de modo desrespeitoso para com o antigo dono, o sinhô podia anular a alforria vendida. Outro exemplo era o da Negra Maria, que só obteria a liberdade, depois que pagasse pela carta. Além do pagamento em dinheiro, que representava um enorme sacrifício à já sacrificada mulher, era preciso que, após a morte do senhor, ela prestasse serviços durante X anos para a viúva. Depois que a viúva morresse, sabe-se lá quantos anos mais tarde, a pobre Negra Maria teria ainda de trabalhar durante mais Y anos para o sinhozinho e a sinhazinha, herdeiros da viúva. Aí, se ela sobrevivesse...

O sistema escravocrata estava tão enraizado no etos brasileiro que, tão logo juntava algum dinheiro, uma das primeiras providências que tomava um ex-escravo, já como homem livre, era adquirir um escravo para si!

O livro é muito bem escrito, curtinho e vai direto ao assunto. Ainda que Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, seja uma obra-prima deliciosa de se ler, Ser Escravo no Brasil dá uma noção muito mais direta e crua do que isso significava. No fundo, ser escravo (aqui ou em qualquer outro lugar) era ( e é) uma grandissíssima merda!

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